Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Família é premiada na 10ª Mostra Mato Grosso do Sul – Aqui tem SUS

Postado por: Raphael Rezende de Souza

Entre 2020 e 2023, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, mais de cinco mil bebês e crianças foram entregues voluntariamente para adoção no Brasil. Embora garantida pelo Estatuto da Infância e da Juventude, a entrega voluntária de filhos para adoção é um direito que mães e gestantes, além de profissionais da área de saúde, quase não conhecem de forma plena. Além do desconhecimento, pesam sobre a ação, preconceitos, estigmas e muitas dúvidas. Foi pensando nisso que a assistente social e tecnóloga em Gestão Pública Renata Rigatto optou por pesquisar mais sobre o assunto em sua pesquisa no Mestrado em Saúde da Família da UFMS. O estudo foi finalizado e a dissertação destacou-se na 10ª Mostra Mato Grosso do Sul – Aqui tem SUS, realizada pelo Conselho das Secretarias Municipais de Saúde de MS em abril.

A egressa da UFMS foi orientada pela professora do Instituto Integrado de Saúde Priscila Marcheti. “Renata sempre se destacou como uma excelente aluna no Mestrado em Saúde da Família. Sua aproximação com o tema está relacionada à sua vivência profissional como assistente social. No exercício da profissão, ela percebeu que, nos casos de entrega de um filho para adoção, a rede de atenção à saúde era mobilizada”, conta Priscila.

Segundo a orientadora, Renata observou que havia uma certa resistência por parte dos profissionais em aceitar a entrega voluntária. “Muitos profissionais da saúde demonstravam dificuldades em aceitar a entrega voluntária, frequentemente responsabilizando a mãe e a família pela decisão. Essa postura revelava crenças pessoais, sentimentos preconceituosos e tentativas de persuadir a mãe a permanecer com o recém-nascido. Esse comportamento da equipe de saúde evidenciava o desconhecimento dos direitos e da legislação que asseguram a possibilidade da entrega voluntária de uma criança para adoção”, ressalta a professora. Priscila destaca que o tema ainda não havia sido foco específico de estudos. “No curso de mestrado não havia sido realizado nenhum estudo com foco específico na entrega voluntária de crianças para adoção e na forma como essa situação é acolhida pelos profissionais da saúde”, comenta.

Realizada entre novembro de 2023 e janeiro de 2024, a pesquisa analisou a representação social dos trabalhadores da Atenção Primária à Saúde (APS) sobre a atenção às gestantes que manifestam o interesse de entregar o recém-nascido para adoção. Para tanto, Renata fez os estudos junto a trabalhadores que atuam na Estratégia Saúde da Família de um município no interior de Mato Grosso do Sul. De acordo com a egressa, a pesquisa foi submetida a todos os preceitos éticos, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFMS, e após realizar as entrevistas, os dados foram analisados utilizando-se a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo.

Renata explica que os resultados foram apresentados em quatro eixos temáticos: conhecimento sobre a lei da entrega voluntária para adoção; entrega voluntária e adoção e a relação com as histórias das trabalhadoras de saúde; contribuição da intervenção educativa no processo de trabalho; e as mudanças dos significados da entrega para adoção, suas respectivas ideias centrais e o discurso do sujeito coletivo. “Os resultados apontaram a necessidade de maior suporte teórico e espaço de discussão pra os profissionais que atuam junto às gestantes, garantindo que a intervenção seja fundamentada no conhecimento técnico-científico, e não em julgamentos pessoais”, diz. Ela acrescenta que também é necessária mais divulgação da legislação e mais investimentos na educação permanente para os trabalhadores da rede. “Esperamos contribuir na garantia de direitos da mulher e da criança, na assistência ao pré e pós-natal das mulheres que manifestam o desejo de realizar a entrega voluntária do recém-nascido para adoção. Assim, as equipes podem promover o acolhimento da mulher e o cuidado longitudinal em saúde, com melhoria no processo de trabalho e nos serviços ofertados da APS”, salienta.

“Os resultados foram surpreendentes, ouvir as trabalhadoras aumentou o prazer na pesquisa e na atuação profissional. É um tema com várias opiniões, de modo geral elas relatam que a mulher é a mais implicada mesmo nos dias atuais tendo autonomia no corpo se quer ter filhos ou não. E com o direito garantido da entrega voluntária a mulher pode não ser bem vista pela sociedade e até mesmo pelos profissionais de saúde (julgamento de valores)”, avalia Renata.

Segundo ela, a parte mais trabalhosa da pesquisa foi ouvir e transcrever as entrevistas, antes e após a intervenção educativa, e posteriormente montar o Discurso do Sujeito Coletivo. “Todos foram convidados para participar da intervenção educativa, que é o curso para os profissionais da APS sobre a temática entrega voluntária de recém-nascidos para adoção. No município pesquisado, grande parte das trabalhadoras são mulheres que atuam nos serviços de saúde. Na intervenção educativa tinha poucos homens e, de acordo com os critérios de inclusão como frequência no curso, tempo de atuação, entre outros, não foi possível realizar a entrevista com todos os convidados”, detalha.

A assistente social acredita que a pesquisa já auxiliou a informar melhor os trabalhadores da área de saúde que participaram das atividades. “Trouxe conhecimento para os profissionais que estão diretamente na assistência as gestantes na unidade básica de saúde, na visita domiciliar e no território. Esse conhecimento adquirido gera melhoria no acolhimento, na qualidade dos serviços ofertados para as mulheres que manifestar o interesse de realizar a entrega voluntária. Também tem a concepção pelas entrevistadas, por ser mais uma alternativa para diminuir as vulnerabilidades no território”, aponta.

Renata conta quer continuar a estudar a temática. “Um dos principais resultados é o desconhecimento das profissionais de saúde sobre a entrega voluntária e o mito do amor materno que aparece nos discursos. A expectativa é continuar estudando e fazer novas pesquisas que contribua para a delimitação de estratégias de trabalho com essa temática”, fala.

Divulgação e prêmio

Renata e Priscila ficaram surpresas e felizes com o reconhecimento do estudo na 10ª Mostra Mato Grosso do Sul – Aqui tem SUS. No evento, foram inscritos 179 trabalhos por 33 municípios, avaliados por 94 especialistas de instituições como Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, UFMS, Fiocruz, Escola Técnica do SUS e Secretaria de Estado de Educação.

“Ficamos muito felizes pelo reconhecimento deste trabalho. É um tema de impacto e relevância social para a Saúde Coletiva”, salientou Priscila. “Esse prêmio veio na hora certa, pois será divulgado no Estado de Mato Grosso do Sul prioritariamente nos serviços de saúde. Em junho, será apresentado por mim no Congresso Nacional de Secretarias de Saúde em Belo Horizonte. É um tema inovador, importante para Atenção Primária à Saúde e que não deve ser distanciado dos debates do Sistema Único de Saúde em nome da manutenção das desigualdades e discriminações de gênero”, acrescenta Renata.

A partir da defesa da dissertação, Renata espera divulgar o estudo em eventos científicos e publicações. “Minhas expectativas são divulgar a minha pesquisa, escrever outros artigos com os resultados obtidos e continuar estudando”, diz. “Estamos iniciando agora a divulgação do curso e da pesquisa realizada no mestrado. O primeiro evento foi a apresentação oral na Mostra, ocasião em que recebemos a premiação pelo trabalho apresentado. O segundo ocorreu na Câmara de Vereadores do município de Glória de Dourados (MS). A próxima apresentação da pesquisa acontecerá de 15 a 18 de junho de 2025, em Belo Horizonte”, destaca Priscila.

Para conferir a dissertação em sua íntegra, acesse o Repositório Institucional da UFMS, clicando aqui.

Texto: Vanessa Amin